IA ajuda a desvendar mistério sobre autoria da bíblia
Pesquisadores identificaram padrões linguísticos típicos dos grupos autorais de diferentes capítulos bíblicosPublicado em 24/06/2025 as 05:28

Um grupo internacional de pesquisadores desenvolveu um método que utiliza inteligência artificial (IA) e modelagem estatística para identificar quais grupos autorais escreveram partes da bíblia.
Publicado neste mês na revista acadêmica Plos One, o estudo combina tecnologia de ponta com análise linguística para diferenciar as narrativas autorais de diversos trechos bíblicos, alguns dos quais foram escritos há aproximadamente 2.800 anos e evoluíram ao longo dos séculos.
Thomas Römer, especialista bíblico do Collège de France e coautor do estudo, esclarece que a bíblia não possui autores no sentido moderno. “As versões originais dos pergaminhos foram continuamente reelaboradas e reescritas por redatores que acrescentavam, alteravam e, às vezes, também omitiram partes dos textos anteriores.”
O trabalho permitiu desenvolver um sistema capaz de analisar padrões linguísticos sutis que revelam diferentes estilos de escrita destes grupos de redatores.
Na prática, a IA foi usada para diferenciar padrões linguísticos sutis e revelar diferentes estilos de escrita. Por exemplo, a análise indica que trechos sobre Abraão no livro de Gênesis não correspondem às principais correntes autorais, reforçando a hipótese de que foram redigidos posteriormente.
Origens do projeto
Em 2010, a matemática Shira Faigenbaum-Golovin e o arqueólogo Israel Finkelstein se uniram para analisar inscrições em fragmentos antigos de cerâmica.
Aplicando técnicas estatísticas para comparar estilos de escrita, conseguiram diferenciar autores de textos datados de 600 a.C. O modelo usado em inscrições feitas em peças de barro foi levado para a análise de textos bíblicos.
“Chegamos à conclusão de que os achados nessas inscrições podiam oferecer pistas valiosas para datar textos do Antigo Testamento“, explica Faigenbaum-Golovin, segundo comunicado da Universidade de Duke.
A equipe, liderada por Faigenbaum-Golovin, reuniu profissionais de diversas áreas: arqueólogos, biblistas, físicos, matemáticos e cientistas da computação.
Palavras diferenciam tradições autorais
Os pesquisadores focaram nos nove primeiros livros da bíblia hebraica, que também compõem o Antigo Testamento. 50 capítulos foram classificaram em três tradições autorais já conhecidas pela crítica bíblica: os textos do Deuteronômio, a História Deuteronomista (de Josué a Reis) e os Escritos Sacerdotais (presentes em Gênesis, Êxodo e Levítico).
“Descobrimos que cada grupo de autores tem um estilo diferente; surpreendentemente, até no que diz respeito a palavras simples e comuns como ‘não’, ‘que’ ou ‘rei’. Nosso método identifica com precisão essas diferenças”, afirma Römer.
A equipe adaptou um algoritmo desenvolvido no campo da estatística que analisa a distribuição das palavras e criou um dicionário de termos para cada escola de autoria, com aproximadamente 1.447 termos únicos.
Segundo o jornal israelense The Times of Israel, os pesquisadores descobriram que palavras como Elohim (um dos nomes para Deus) e lo (que significa “não” em hebraico) caracterizam os textos do Deuteronômio. A História Deuteronomista inclui essas mesmas palavras com frequência, além de melech (rei) e asher (que). Já zahav (ouro) é característica do corpus dos Escritos Sacerdotais.
“Pegamos uma palavra específica e verificamos quantas vezes ela aparecia em um texto”, explicou Faigenbaum-Golovin. “Podíamos quantificar a distribuição da palavra no texto um e no texto dois e verificar se eram iguais”.