Mulheres nordestinas criam startup que usa Inteligência Artificial na saúde e na educação
Combinando neurociência, IA e metaverso, Tâmara e Tássia Nunes criaram a Ada Metaverse, uma deep tech sergipana que posiciona mulheres no centro da inovação tecnológica brasileira e salva vidasPublicado em 07/06/2025 as 07:53

Transformar ciência de ponta em soluções práticas para o mercado não é um caminho simples, especialmente quando se parte de regiões historicamente fora do eixo tecnológico do país, como a região Nordeste. Mas foi exatamente esse o percurso trilhado por Tâmara e Tássia Nunes, irmãs gêmeas sergipanas formadas em Biomedicina e especializadas em Neuroengenharia. Juntas, elas criaram a Ada Metaverse, uma startup classificada como Deep Tech, que une inteligência artificial, neurociência e metaverso para revolucionar a educação profissional inclusão social no Brasil.
Com sede em Aracaju (SE) e incubada no Tiradentes Innovation Center (TIC), localizado no campus da Universidade Tiradentes (Unit), a Ada nasceu para responder a um problema urgente: a baixa qualificação prática de profissionais da saúde, um dos fatores que contribuem para mais de 2,6 milhões de mortes anuais por falhas hospitalares, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A solução desenvolvida pelas irmãs propõe ambientes virtuais imersivos em que estudantes e profissionais possam treinar habilidades técnicas antes do contato com pacientes reais.
Antes mesmo da fundação da empresa, o espírito empreendedor já se manifestava na infância das irmãs, que criavam produtos artesanais, vendiam doces e camisas em eventos. Durante a graduação em Biomedicina, e mais fortemente na pós-graduação em Neuroengenharia, surgiu o desejo de aplicar o conhecimento científico em soluções viáveis fora da academia. "A gente queria romper com o ciclo de produção científica que muitas vezes fica só no artigo científico publicado. Começamos a pensar em como transformar isso em produto real", explica Tássia Nunes.
O objetivo era claro: construir um ecossistema de inovação que gerasse emprego e renda, apoiasse mulheres e meninas, e fomentasse o avanço da ciência, tecnologia e educação no Brasil. “Não nos víamos seguindo carreira em concursos públicos ou caminhos convencionais. Havia vocação, mas também uma percepção clara de que, para sermos realizadas, teríamos que criar o nosso próprio espaço”, complementa Tâmara.
Da ideia ao primeiro CNPJ
Foi em 2021 que a Ada Metaverse foi oficialmente fundada como microempresa (ME). A escolha por não se registrar como Microempreendedor Individual (MEI) se deu para que a startup pudesse participar de editais de fomento à inovação e subvenções públicas. A primeira versão da solução propunha um simulador baseado em princípios da neurociência e elementos de gamificação, com o objetivo de melhorar a retenção de conteúdo e o desempenho de alunos da área de saúde.
O caminho para consolidar a Ada foi desafiador. A falta de recursos financeiros, conhecimento técnico empreendedor e uma equipe coesa eram barreiras iniciais. “Trabalhamos como biomédicas e pesquisadoras até conseguirmos estruturar minimamente a operação da empresa. Além disso, nós tínhamos o conhecimento técnico, mas faltava a bagagem de gestão, comercial e estratégica. O TIC nos deu estrutura, mentoria e networking para amadurecer como empresa”, relembra Tássia.
Durante a incubação, a Ada teve acesso a programas de aceleração, consultorias especializadas e editais públicos que permitiram a captação de cerca de R$ 1,4 milhão em subvenções não reembolsáveis. Os recursos foram fundamentais para contratar equipe, avançar no desenvolvimento da plataforma e formalizar parcerias estratégicas. Com o apoio do TIC e programas como Sebrae Delas, CNPq, FINEP, FAPITEC e MCTI, a Ada conseguiu profissionalizar a operação. Passou a utilizar ferramentas como Business Model Canvas, desenvolveu indicadores de desempenho e estrutura jurídica para possíveis rodadas futuras de investimento.
O reconhecimento veio em prestigiadas premiações: 1º lugar no Prêmio Mulheres Inovadoras da Finep e 3º lugar no Prêmio Mulheres de Negócio do Sebrae. Esse sucesso não só validou o trabalho das irmãs, como também contribuiu para superar o preconceito inicial enfrentado por serem mulheres negras e nordestinas na tecnologia. "Percebemos que o preconceito foi aos poucos sendo superado quando demonstramos a excelência por meio do nosso trabalho e da nossa propriedade intelectual", afirma Tâmara.
Tecnologia aplicada à educação em saúde
A base científica da startup é a neuroengenharia, área que investiga os mecanismos cerebrais relacionados à memória e ao aprendizado. Na Ada, essa abordagem é integrada a tecnologias emergentes, como inteligência artificial e ambientes imersivos em realidade estendida (XR). A solução consiste em simuladores 3D acessíveis por óculos de realidade virtual, computadores e celulares, que recriam laboratórios e cenários clínicos reais em ambiente digital, permitindo que os alunos pratiquem quantas vezes forem necessárias.
“A inteligência artificial incorporada analisa cada ação do usuário, identifica erros e acertos e gera relatórios automáticos para os docentes. Já os princípios da neurociência orientam o desenvolvimento de ambientes que favorecem o engajamento emocional e a retenção do conteúdo. Esse modelo ajuda a superar um desafio comum nas instituições de ensino em saúde: a falta de laboratórios físicos, o alto custo de insumos e a restrição ao contato com pacientes reais durante a formação”, destaca Tássia.
Os resultados da Ada são perceptíveis em três níveis:
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Institucional: Redução de custos com manutenção de laboratórios físicos e maior escalabilidade na formação de turmas.
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Educacional: Alunos mais engajados, melhora no desempenho acadêmico e maior segurança ao executar procedimentos clínicos.
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Pedagógico: Ferramentas de acompanhamento que ajudam professores a tomar decisões mais precisas sobre intervenções e estratégias.
Tendências e Legado da Ada
Atualmente, os principais clientes da Ada são Instituições de Ensino Superior, pesquisadores e hospitais. Entretanto, a Ada já projeta a expansão para outros setores, como segurança do trabalho, educação técnica e até na área corporativa oferecendo treinamentos para equipes. A empresa também busca tornar a tecnologia mais acessível, tanto em custo quanto em dispositivos, para que escolas públicas e instituições de pequeno porte possam utilizar os simuladores. “A meta é manter o crescimento com sustentabilidade. O plano dos próximos anos inclui consolidar a atuação no Brasil, internacionalizar a solução e ampliar a rede de parcerias com outras startups e universidades”, pontuam as irmãs.
Boa parte da equipe é composta por jovens talentos em início de carreira, recrutados em parceria com o Centro de Carreiras da Universidade Tiradentes. A empresa prioriza ainda a contratação de prestadores de serviço locais e negócios liderados por mulheres. "Temos o costume de buscar pequenos empreendedores que estão iniciando suas jornadas, bem como mulheres empreendedoras e negras, os quais podem ser prestadores de serviço para a Ada", conta Tássia.
A Ada não apenas faz parte do ecossistema de inovação local, ela o impulsiona. A startup gera empregos e renda no estado, movimenta o setor de tecnologia e ajuda a formar uma nova geração de profissionais qualificados. Sua atuação impacta diretamente a educação e a saúde, estimula a pesquisa científica e contribui para o desenvolvimento de tecnologias da Era 4.0, posicionando Sergipe com destaque no cenário nacional de inovação.
Recomendações e aprendizados
As irmãs também atuam como mentoras em programas voltados para mulheres e minorias em ciência e tecnologia, fortalecendo o protagonismo feminino na inovação. “Ser mulher, negra e nordestina empreendendo no mundo da tecnologia é muito desafiador e enfrentamos algumas barreiras, dentre elas, o descrédito e constantes questionamentos sobre a capacidade de liderar uma startup de tecnologia, o que pode ser desanimador", relata Tássia.
Contudo, elas se mantêm firmes. "Demonstro que os resultados do nosso trabalho superam esses desafios ainda constantes na sociedade, e através dele atraímos mais mulheres para o ecossistema de inovação, empreendedorismo e tecnologias”, ressalta Tâmara.
Com a sabedoria adquirida, se pudessem recomeçar, as irmãs fariam diferente. "Eu iniciaria minha jornada empreendedora realizando uma capacitação no Sebrae antes mesmo de iniciar o processo de desenvolvimento e construção da startup", confessa Tâmara. A falta de conhecimento técnico e a dificuldade em manter o foco em um único problema foram aprendizados. "Querer realizar vários projetos ao mesmo tempo consome muito recurso e leva muito tempo", pondera Tássia.
Por: Laís Marques
Fonte: Asscom Unit